segunda-feira, 7 de março de 2016

Sociolinguística 2

A segunda parte do tema Sociolinguística no livro Introdução à Linguística (Fernanda Mussalim e Anna Christina Bentes)  temos o texto do professor Roberto Gomes Camacho.

Camacho é pesquisador do Departamento de Teoria Linguística e Literária do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da UNESP, Campus São José do Rio Preto. Mestre em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas e Doutor em Letras pela Universidade Estadual Paulista, Campus Araraquara. Pós-doutor pela Universidade de Amsterdã e livre-docente pela UNESP, Campus São José do Rio Preto.

No livro, Roberto Gomes Camacho inicia mostrando que a linguística moderna e estruturalista surgem com a publicação do Curso de Linguística Geral. Nele Saussure trazia a alegação de que língua é a parte social da linguagem. Há separação entre sistema e discurso. Proposições mantidas (e aprofundadas) por pesquisadores de escolas distintas (Leonard Bloomfiel, Louis Hjelmlev, Noam Chomsky). Mas como alega Calvet (2002): “as línguas não existem sem as pessoas que as falam, e a história de uma língua é a história de seus falantes”.  Estruturalismo, portanto, não levou em conta o que a língua tinha de social.

A Linguística Estruturalista não levou seriamente em consideração a análise de variações porque não levava em conta a função das variações no processo de comunicação. A linguagem é vista como um instrumento de comunicação, espécie de código, similar aos sistemas de sinais eletrônicos (o que a linguagem humana não é).

Assim como o estruturalismo, o gerativismo também não valorizava esse lado “social” da língua. Assim, a Sociolinguística nasceu com visão crítica à gramática gerativa de Chomsky, que estava se impondo como paradigma dominante.

Desde seu início, década de 60, Sociolinguística se interessa por uma variedade de assunto: 1-Sociolinguística da Linguagem (Joshua Fishman) – era um ramo das ciências sociais, na medida em que encarava os sistemas linguísticos como instrumentais em relação às instituições sociais mais amplas; 2-Etnografia da Comunicação – hoje entre outros está a Análise da Conversação e Sociolinguística Interacional (Hymes, Sacks, Gumperz); 3-Sociolinguística Variacionista (William Labov): trata do exame da linguagem no contexto social como solução dos problemas próprios da teoria da linguagem.

Nesta última tendência verifica-se que dois falantes de uma mesma língua (ou mesmo um único falante) dificilmente se expressam de modo idêntico ou sempre do mesmo modo (está relacionado ao linguístico e social, a exemplo de “levaram”, “levaru”, “levarum”. Há uso sistemático (e não arbitrário) e regular de uma propriedade inerente aos sistemas linguísticos que é a possibilidade de variação, entendida como heterogeneidade constitutiva da linguagem (“cê leu os livros?”, “cê leu os livro?”). Variação de ausência ou presença do sinal sonoro do fonema /S/. O mesmo não se nota, praticamente, em “ananás” e “arroz”. E isso advém do próprio sistema linguístico:

Selecionar uma palavra com ausência de uma fricativa alveolar depende de estar esse segmento numa sílaba átona final, como em “livros”, “meninos”, “Marcos”. Já o simples fato de incidir sobre uma sílaba tônica, como em “ananás”, praticamente elimina a possibilidade de variação entre [s] e [Ø] numa variedade dialetal como a paulista, embora esse contexto seja favorável a um processo de ditongação antes da fricativa alveolar, o que forneceria casos como “ananais”, “arroiz”, etc.

Variação – resultado sistemático e regular de restrições impostas pelo próprio sistema linguístico. Diversidade é uma propriedade funcional e inerente dos sistemas linguísticos. O papel da Sociolinguística é exatamente enfocá-la como objeto de estudo, em suas determinações linguísticas e não-linguísticas. A linguagem é o modo mais característico de comportamento social, sendo impossível separá-la de suas funções sociointeracionais.

No Brasil, está em curso o projeto do Atlas Linguístico, que  é um retrato que inicia o debate se há separação social ou geográfica quando se trata de língua: “Esse retrato permitiria confirmar ou rejeitar a hipótese de que as divisões dialetais no Brasil são menos geográficas que sociais e que a maneira de falar distinguiria mais um falante escolarizado de um não escolarizado do mesmo espaço geográfico, do que dois falantes do mesmo nível de escolaridade de regiões diferentes”.

Sobre a variante de prestígio/padrão/não-padrão/estigmatizada, o livro traz debate com a teoria do professor Carlos Alberto Faraco, que se refere à norma “curta” está descrita pelos consultórios gramaticais, manuais de redação dos grandes jornais e elaboradores de concursos públicos. Uma vez que desde a origem deste padrão brasileiro não se adotou a normal culta comum, mas houve imposição da elite conservadora o modelo praticado em Portugal, com base nos escritores portugueses do romantismo.

A Sociolinguística e o ensino da língua materna: A natureza discriminatória que a linguagem pode assumir leva à reflexão sobre a questão que mais nos afeta – em que grau o processo de ensino da língua materna contribui para o agravamento ou para a simples manutenção da situação de exclusão a que está sujeita a população socialmente marginalizada? Dentro da tradição pedagógica, na prática de quem educa, há apenas uma língua = correta e eficaz para todas as circunstâncias de interação (norma padrão).

Contrariando a Linguística em seus princípios, a pedagogia da língua materna elege o correto e o incorreto sua dicotomia predileta para discriminar/selecionar. Norma padrão (referencial exclusivo, ensinada na escola) x dialeto social que o aprendiz domina. Tendo em vista que a seleção é arbitrária, porque como ensina Bourdieu e Pesskon (1975) se baseia nas relações de força entre grupos sociais. A instituição não reconhece a legitimidade da variação linguística e acaba por submetê-la ao critério de correção. O resultado prático é a evasão escolar! Impor com exclusividade a norma padrão, misturar uma pitada de intolerância para com a variedade que as crianças dominam são o ingrediente de uma receita infalível que se resume na rejeição à língua e no desenvolvimento de um processo de insegurança linguística.

Sociolinguística tenta: eliminar preconceitos (todas as línguas e variedades de uma língua são igualmente complexas e eficientes para exercício de todas as funções a que se destinam); superar o pressuposto de que a principal tarefa do ensino é substituir formas das variedades populares por formas da norma padrão; manter como alternativa fundamental que as variações da língua não devem passar por um crivo valorativo; atualizar constantemente a norma padrão (substituir prescrições ultrapassadas – de base escrita e literária – por normas emanadas da variedade culta urbana); despertar a consciência do aluno para adequação das formas de circunstâncias do processo de comunicação; acreditar no modelo da comunicação diferente e adotar outra estratégia para ensino da língua materna. 

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