sábado, 30 de maio de 2015

O erro nosso de cada dia

Há muitos anos aprendi com meu pai que “erro” não existe no falar das pessoas. Eu, estudante universitária na época, o corrigi dizendo que não era “veve” (a gente veve), mas “vive”. Ele que mal havia concluído o segundo ano primário simplesmente me repreendeu: está estudando pra ficar burra!?

Verdade meu pai, hoje estudando mais sobre linguística vejo que o “erro” está recheado de ideologia da exclusão social, que eu sempre combati e ao mesmo tempo era cega para verificar o quanto impregnava a nossa formação, nosso viver do dia a dia. Estou lendo Sete erros aos quatro ventos: a variação linguística no ensino de português (Parábola Editorial), em que Marcos Bagno analisa livros didáticos.

Em suma: ninguém no Brasil – nem sequer as pessoas das camadas socioeconômicas dominantes, de alto poder aquisitivo e de elevado padrão educacional – fala ou escreve a “língua” culta tal como descrita-prescrita pelas gramáticas.

Todo esse discurso de falar bem é uma maneira de perpetuar a ideia de que alguns são superiores, quem sabe por isso nossas aulas de língua portuguesa sejam tão distanciadas da nossa realidade... assim continuamos a pensar que tudo é dissociado da exploração do Homem pelo Homem a que somos submetidos há milhares de anos.

Meu pai estava com toda razão, em sua sabedoria popular, estudamos para nos tornar “caçadores” de um “erro” que não existe. Por diversas vezes emburreci. Não estudamos para mudar realidades. Mantemos desta forma a separação social, uma “elite letrada” a ser servida, enquanto os “ignorantes”, os “pobres de toda sorte” continuam fora do circuito social “superior”. Enquanto isso, o número de analfabetismo se mantém elevadíssimo no Brasil, cerca de 75% da população têm dificuldade de tirar de um texto sua mensagem principal. Em sala de aula nos prendemos a estudar “vós ides” como algo comum, a ser decorado para a prova que fechará o próximo bimestre escolar.

Bom, essa é uma outra história. Não vou apresentar a teoria do professor Bagno. Melhor, indico a leitura do livro, perfeito para nos questionarmos (não apenas os professores de português, mas todos nós da sociedade brasileira). Vou me deter ao que interessaria ao jornalismo (ou não – risos!)...

Nós jornalistas acreditamos que “dominamos” a língua... fazemos manuais e discutimos em defesa do bom e velho português culto. Só não observamos que somos reflexo de diversas outras ideologias, que perpassam a nós profissionais e outras que estão vinculadas aos veículos para os quais produzimos.

Vejamos dois exemplos de como a “gramática” de qualquer língua (culta ou popular) não é empobrecida, se mantém complexa e seguindo regras. Bagno apresentou em seu livro cinco exemplos trazidos da mídia, escolhi apenas estes para reproduzir aqui:

Da Folha/UOL em 2013 – “Inicialmente, um jornalista europeu que gravava o treino reclamou do pagode. Bastou alguns minutos para ele se juntar à imprensa japonesa, esquecer as atividades no gramado e exibir o ritmo brasileiro”.

E da CBN/Rádio Globo em 2013 – “Falta recenseadores para colher dados de moradores da capital.  

Na lição do professor, vemos que a tradição normativa do “bastaram alguns minutos” foi substituída por uma nova regra, de utilização comum na fala e na escrita (como se vê pelos exemplos acima). No uso direto “sujeito-verbo-complemento” a concordância seguiria o plural. Por outro lado, quando a “sintaxe se encadeia da direita para a esquerda (ou seja, ao contrário do movimento mais “natural” da fala brasileira), o vínculo de concordância deixa de ser percebido pelo falante”.

Com isso, o autor conclui mostrando que a “regra básica, portanto, é: . Essa regra está perfeitamente implantada na fala e na escrita das brasileiras e brasileiros mais letrados, urbanos, altamente escolarizados”. 

Eu poderia continuar acompanhando aqui a teoria trazida pelo livro, mas preciso continuar a leitura dele. Vamos?

quinta-feira, 28 de maio de 2015

O verbo e o texto

“Verbo é a palavra que exprime ação, fenômeno natural, estado ou mudança de estado, situando esses fatos num determinado tempo”. 

Ao estudar classes de palavras, mais especificamente verbos na gramática de Nilson Teixeira de Almeida, encontrei desde a estrutura (radical e vogal temática, tema, desinências modo-temporais e número-pessoais...) a flexões (número, pessoa, modo e tempo) e classificações dos verbos (regulares, irregulares, anômalos, defectivos e abundantes), entre outros. Lógico, para compreender toda essa divisão é preciso muito estudo, e meu objetivo aqui é outro. Pretendo compreender a semântica dos verbos. Vamos ao que ensina Nilson Teixeira no item flexão dos verbos:

Número – o sujeito deve variar de acordo com o sujeito a que se refere:
Ex.: A criança brinca só. / Os amigos brincam na rua.

Pessoa – Indica as três pessoas do circuito da comunicação (emissor, receptor ou referente):
Ex.: Viajo hoje (eu) / Não voltei mais (tu) ? Mudou para Paraíba (ele)

Modo – Indicativo (exprime um fato certo, concreto e positivo); subjuntivo (exprime um fato hipotético ou optativo); imperativo (exprime ordem, pedido, súplica).

Tempo – presente (indica fato que se processa no momento atual); pretérito perfeito (indica um fato totalmente concluído no passado); pretérito mais-que-perfeito (concluído antes de outro também no passado); pretérito imperfeito (expressa um fato interrompido ou continuado no passado); futuro do presente (indica um fato vindouro em relação ao presente); e futuro do pretérito (exprime um fato posterior a um acontecimento já passado).

Assim explicado fica frio, parecendo muito técnico. Agora, se juntarmos às explicações do Guia do Estudante 2013 (Editora Abril), Edição Português, teremos novas formas de ver os verbos no texto jornalístico. Imagine a seguinte manchete:

Roseli Fishmann: Ensino Religioso na rede pública fere a constituição

Ao conjugar o verbo ferir no presente do indicativo, situa-se a atenção do leitor. “Em textos jornalísticos, usa-se o presente histórico para fazer referência a fatos ocorridos no passado, a fim de atualizar o problema e trazê-lo para o presente”, ensina o Guia.

Fui buscar informação sobre o presente histórico na internet e descobri a seguinte explicação no site Cyber Dúvidas: “O uso do presente do indicativo para descrever fatos ocorridos no passado é o chamado presente histórico ou narrativo. Trata-se de um recurso utilizado para dar mais vivacidade ao texto e realçar os acontecimentos que estão sendo descritos”.

O que muito se parece com a explicação do professor Luiz Gonzaga Motta sobre “Jornalismo, narrativa e história do presente” na página jornal Diário do Nordeste:

Os homens são contadores natos de histórias porque a narrativa é a forma natural de representar o tempo e o mundo. Ela traduz o conhecimento em relatos. Construímos o mundo em narrativas empalavrando continuamente a realidade. Por isso, as narrativas dotam o contexto social de significados e estabelecem consensos provisórios que fazemos e refazemos continuamente. Por exemplo, demarcando o tempo cronológico, as narrativas históricas e jornalísticas criam pontos superpostos de partida e chegada, nos situam e conectam ao mundo físico e social.

Imagine agora dentro do texto noticiado, contendo um trecho de lei: “(...) o ensino religioso, católico ou de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas (...)”.

No caso, o uso presente do indicativo (verbo constituir) é novamente empregado, “neste caso, como uma verdade absoluta”, assevera o Guia do Estudante.

Para encerrar, vamos à semântica dos tempos verbais, conforme ensinou o Guia em 2013.

Os verbos podem ser empregados em determinados tempos cujos significados nem sempre correspondem aos indicados pela nomenclatura oficial. É comum usar o verbo no presente do indicativo (por exemplo, ele fala) para referir-se a um evento futuro próximo (ele fala com você amanhã, pode ser?) ou até no passado remoto (naquela passagem, Platão fala que...). 

Também é interessante os demais exemplos trazidos pelo Guia do Estudante:


Presente do Indicativo: além do momento pontual (ex.: Robinho dribla, chuta, é gooooool!), ele também pode expressar:
Hábito – Costuma se repetir periodicamente em determinado momento. Estende-se de um passado a um futuro não marcado: Tomo banho diariamente.
Sentido durativo - Começou antes do momento da construção da frase e parece perdurar: Moro em Santo André.
Presente histórico -  Expressa a intenção de dar mais destaque a fato já concluído. É comum no texto jornalístico: Israel rejeita pressão dos EUA.
Futuro próximo – Exprime o desejo de que o fato futuro ocorra em breve: Sábado vamos ao Guarujá. 



Muito bom, vale a pena tentar entender (estou tentando daqui!).

terça-feira, 26 de maio de 2015

Linguística e Identidade Cultural

Fiz prova outro dia em uma seleção de mestrado. O tema sorteado para a avaliação teórica foi “Língua, linguagem, texto e contexto”. Um dos livros indicados para leitura era o de Stuart Hall (Identidade cultural na pós-modernidade, 11ª ed, DP&A editora). Me saí bem na prova – caso fiquem curiosos –, mas o que farei aqui no meu blog é reler o livro e estudar mais um pouquinho o que nem pensei em citar aquele dia. Afinal, ler um livro e ter todas suas mensagens na cabeça ainda não faz parte do que consigo fazer!

Vamos lá, ver o que dá?

Para este começo, imaginar que ligação teria entre essas quatro palavras com o debate sobre as mudanças ocorridas na sociedade (inserida na modernidade/pós-modernidade) e a identidade dada aos indivíduos.

A tal “crise” de identidade interfere na língua/linguagem? Bom, se ambas são sociais, então, o que ocorre no meio em que vivemos traz reflexos (e muito!).

E se as identidades estão sendo deslocadas, não são fixas como em alguma época anterior o foram: o discurso e a materialidade da língua também passam de alguma forma por “descentração”. Esse olhar histórico, que remete na atualidade para a globalização, nos leva ao que Stuart Hall recorre a Marx: “Tudo o que é sólido se desmancha no ar”.

Nestas novas condições de produção, analisa-se como os indivíduos não são “autores” de seus discursos ou de suas trajetórias sociais, pois é necessário  aos sujeitos fazer uso do que é imposto (por assim dizer) pelas gerações anteriores (todas as vozes que nos antecederam). Ideologia esta que também perpassa a língua:

Nós não podemos utilizar a língua para produzir significados apenas nos posicionando no interior das regras da língua e dos sistemas de significação de nossa cultura. A língua é um sistema social e não um sistema individual. Ela preexiste a nós.

Ancorado em Ferdinand de Saussure, Stuart nos mostra o quão complexo é tratar de autoria, texto ou linguagem, dada a “imensa gama de significados que já estão embutidos em nossa língua e em nossos sistemas culturais”.

Vejo que escrever sobre a questão da identidade traz ao tema da prova diversos enfoques para análise, ampliando o contexto a ser observado. Com o grau de relacionamento entre o global e o local hoje observados (algo que ocorre em uma comunidade pode causar grandes transtornos a outras regiões, os eventos se interligam), é de fato muito interessante se manter atento ao que se passa com o sujeito pós-moderno (nosso contemporâneo em todas as mudanças ocorridas e a ocorrer).