domingo, 21 de agosto de 2016

Linguística Textual

Chegamos ao último capítulo do livro Introdução à Linguística, organizado pelas professoras Fernanda Mussalim e Anna Christina Bentes. Linguística Textual foi escrito por Anna Christina Bentes, que nos mostra que a Linguística de Texto surgiu com solinguista alemão Harald Weinrich e demorou pelo menos 30 anos para tornar-se menos questionável. Busca ir além da frase, reintroduzir o sujeito e a situação de comunicação e opõe-se, assim, à Linguística Estrutural (que compreendia a língua como sistema e códigos, com função puramente informativa).

A linguística do discurso faz parte desse esforço de várias abordagens de ir além da frase, e  surge não de forma homogênea, mas independente, com propostas teóricas diversas. Inclui diversos autores dos Estados Unidos e Europa. Na França, a Análise de Discurso: abordagens semiológicas (Roland Barthes, Greimas), das pesquisas sobre as pressuposições (Oswald Ducrot) e a elaboração do conceito de enunciação (Émile Benveniste).

Três momentos fazem parte da “história” da Linguística Textual: análise transfrástica (fenômenos que não conseguiam ser explicados pelas teorias sintáticas ou semânticas); construção das gramáticas textuais (com a euforia provocada pela gramática gerativa, postulou-se a descrição da competência textual do falante); e teoria do texto (o texto passa a ser estudado dentro de seu contexto de produção e a ser compreendido não como um produto acabado, mas como um processo, resultado de operações comunicativas e processos linguísticos em situações sociocomunicativas). Lembrando: não é possível afirmar que houve ordem cronológica entre os dois primeiros momentos (análise transfrástica e das gramáticas textuais).

1) Análise transfrástica – da frase para o texto. Teóricos = Harweg (1968): texto é uma sequência pronominal ininterrupta. Isenberg (1970): texto é uma sequência coerente de enunciados.
Fenômeno da correferenciação: “Pedro foi ao cinema. Ele não gostou do filme.” O pronome empregado (ele) não é simples substituição, mas fornece ao leitor/ouvinte instruções do contexto entre a predicação que faz do pronome, contribuindo para a imagem do referente (Pedro). Também era estudada a pronominalização, a seleção de artigos (definidos e indefinidos), a concordância de tempos verbais, a relação tópico-comentário e outros.

2) Elaboração de gramáticas textuais – tentou-se construir, segundo Marcushi, o texto como objeto da Linguística. Os teóricos pensavam em uma gramática que refletisse sobre os fenômenos linguísticos inexplicáveis por meio de uma gramática de enunciados. Todo falante nativo possui conhecimento do que seja um texto. O conjunto de regras internalizadas pelo falante constitui sua competência textual. Para Charolles (1989) possui três capacidades básicas (competência textual):
- capacidade formativa, que lhe permite produzir e compreender um número potencialmente elevado e ilimitado de textos inéditos e que também lhe possibilita a avaliação, com convergência, da boa ou má formação de um texto dado;- capacidade transformativa, que o torna capaz de formular, parafrasear e resumir um texto dado, bem como avaliar, com convergência, a adequação do produto dessas atividades em relação ao texto a partir do qual a atividade foi executada;- capacidade qualificativa, que lhe confere a possibilidade de tipificar, com convergência, um texto dado, isto é, dizer se ele é uma descrição, narração, argumentação etc., e também a possibilidade de produzir um texto de um tipo particular. 

Completando, Fávero e Koch (1983), se os usuários da língua possuem essas habilidades, então, uma gramática textual teria as seguintes tarefas:
- verificação do que faz com que um texto, ou seja, a busca da determinação de seus princípios de constituição, dos fatores responsáveis por sua coerência, das condições em que se manifesta a textualidade;
- levantamento de critérios para a delimitação de textos, já que a completude é uma das características essenciais ao texto;
- diferenciação de várias espécies de texto. 
A elaboração de gramáticas textuais foi bastante influenciada pela perspectiva gerativista (semelhante à gramática de frases de Chomsky). Mas projeto não conseguiu ser realizado a contento. Era um projeto que estava muito preocupado em descrever a competência textual de falantes/ouvintes idealizados. Como não foi possível, a proposta passou a se investigar a constituição, funcionamento e compreensão de textos em uso = elaboração de uma teoria de texto.

3) Neste momento, o âmbito da investigação se estende do texto ao contexto (conjunto de condições externas para produção/recepção e interpretação de textos), noção de textualidade. Assim: língua passa a ser vista não como um sistema virtual, mas como um sistema atual, em uso efetivo em contextos comunicativos. Texto não mais como produto, mas como processo. A análise e explicação da unidade de texto em funcionamento, não o texto abstrato, formal.

A parir dos anos 70, Linguística de Texto é compreendida, dessa forma, como uma disciplina essencialmente interdisciplinar. E, atualmente, multidisciplinar, dinâmica, funcional e processual. Princípios gerais de textualidade (Beaugrande e Dressler): coesividade, coerência, intencionalidade, aceitabilidade, informatividade, situcionalidade e intertextualidade.

Interessante observar na história da constituição do sentido de texto na Linguística Textual é uma separação ocorrida entre estudos sobre texto/discurso de base anglo-saxã e a Análise de Discurso de linha francesa: enquanto na AD não se permite que se atribua ao sujeito nenhuma intencionalidade (ele é assujeitado), em Linguística Textual o sujeito sabe o que faz, como faz e com que propósito faz (a produção textual é uma atividade verbal consciente, intencional).

Definição de texto/objeto da Linguística Textual (não existe apenas uma definição): de acordo com Koch, texto é o resultado de uma atividade verbal, que revela determinadas operações linguísticas e cognitivas, efetuadas tanto no campo de sua produção, como de sua recepção.

Os conceitos de coesão e coerência são imprescindíveis para aqueles que pretendem trabalhar com níveis textuais e/ou discursivos de realização da língua. Eles estão ligados à construção dos sentidos do texto, a coesão é o fenômeno que diz respeito ao modo como os elementos linguísticos presentes na superfície textual encontram-se interligados, por meio de recursos também linguísticos, formando sequências veiculadoras de sentido. E a coerência é o modo como os elementos subjacentes à superfície textual vêm a construir, na mente dos interlocutores, uma configuração veiculadora de sentidos.

Debate atual: existe o não texto? Incoerente, sem sentido... para alguns autores sim, para outros não. Conforme Charolles, “o texto será incoerente se não souber adequá-lo à situação, levando em conta intenção comunicativa, objetivos, destinatário, regras socioculturais, outros elementos da situação, uso dos recursos linguísticos etc. caso contrário, será coerente”.

Princípio da Interpretabilidade (a princípio todos os textos são coerentes): leitores/destinatários podem fazer julgamentos sobre a coesão ou não de determinada produção textual. Coerência depende de fatores diversos (recursos linguísticos, conhecimento de mundo, papel social do leitor ou destinatário, etc). Ex.: música Debaixo dos caracóis dos seus cabelos (Roberto e Erasmo Carlos) em que o conhecimento da situação comunicativa mais ampla colabora para entender que a pessoa que está em lugar distante e que não está feliz fala sobre artistas e intelectuais exilados na época da ditadura militar (em especial sobre Caetano Veloso). Lógico, música é polissêmica e sua poesia pode ter diversas outras interpretações para quem ouve.

Texto é constituído de um emaranhado de pontos de vistas, com diversas configurações de vozes e perspectivas enunciativas. A polifonia = jogo de vozes no discurso. Locutor de um texto incorpora em seu discurso asserções atribuídas a outros enunciadores (personagens do discurso), aos interlocutores, a terceiros, a pontos de vistas diferentes ou até mesmo à opinião pública em geral.

Conclusão: o texto de Anna Bentes apresentou a área de Linguística Textual no Brasil e conseguiu desenvolver teoricamente para propiciar análises sistemáticas de produções textuais sociocognitivamente contextualizadas. O mecanismo de coesão referencial (componentes da superfície do texto que fazem remissão a outro ou outros elementos do universo textual: catafórico, definitização, elipse, entre outros) não é usado ingenuamente, estando, na maioria dos casos, a serviço dos objetivos do locutor no momento da produção de seu texto.

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